quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Alemanha 7 x 1 Brasil. E as causas profundas? (III / III)

Crédito: Rendeeplumia
No primeiro post desta sequência de três (aqui), fizemos breve análise sobre a derrota da Seleção Brasileira de 7 x 1 para a Seleção da Alemanha, na Copa do Mundo 2014, com base em sete quesitos relevantes para uma equipe vencedora, por nós considerados válidos. Em um segundo post, apresentamos uma também breve análise do momento atual da Seleção, usando a mesma estrutura anteriormente empregada (aqui). Nessa segunda oportunidade, priorizamos as perguntas em relação às críticas.

Neste terceiro e último post, o mais longo que desenvolvemos até o momento neste blog, apresentamos reflexões sobre possíveis causas mais profundas que possam ter ajudado a derrocada do Brasil frente à Alemanha e, inclusive, a Holanda na Copa 2014. A estrutura é a mesma dos dois posts anteriores, por questão de organização de ideias. Nestes singelos comentários, que refletem uma coleta de opiniões com torcedores e na internet, não pretendemos acertar, mas tão somente fazer pensar, mesmo que não se concorde com o que vem a seguir.

1 - Integridade de escolha

Quais são os critérios de escolha de jogadores para a Seleção Brasileira? Eles estão claros?  
 os cri
A maioria dos jogadores convocados por Felipão era constituída por expatriados, ou seja, por jogadores atuando no exterior. Fred, por exceção entre titulares, jogava e ainda joga no Brasil.

Vítor, goleiro do Atlético MG e apelidado “São Vítor” na Libertadores de 2013, dadas suas defesas inacreditáveis, poderia ter sido titular, mas Felipão optou por Júlio César que, nos últimos quatro anos, pouco destaque teve. Segundo Felipão, o goleiro titular tinha a confiança do treinador. Mas era ele quem detinha a melhor performance?

Jogadores como Ronaldinho Gaúcho, então jogador do Atlético MG e um talento gigantesco, e Éverton Ribeiro, jogador do Cruzeiro e melhor do Brasil em 2013, foram ignorados. Sem falar em outros que poderiam ter contribuído bastante, por que são muito bons e alguns até craques e, na hora H, sempre podem fazer jogadas sensacionais.

A percepção, a partir do exposto, é que os critérios de selecionar a Seleção têm uma lógica que o observador externo não alcança completamente, mas que desconfia que não seja, ao menos em sua plenitude, a de convocar aqueles que melhor podem performar.

2 - Consciência de coletividade

Os jogadores de futebol brasileiros conseguem, com frequência, superar grandes dificuldades jogando em equipe ao longo de um jogo difícil?

Futebol é um esporte coletivo e não pode depender de um ou dois jogadores, especialmente quando se está perdendo um jogo crítico. Esta é a hora de a equipe reagir e partir para virar o jogo, é a hora do "todos juntos, vamos!". O que isso tem a ver com os 7 x 1 impostos pela Alemanha ao Brasil?  

 Seleção brasileira, dispondo de profissionais acostumados a jogar em equipe e com experiência internacional, entrou em paneapós o primeiro gol do jogo supracitado. Ela não conseguiu, dentro de campo, se reorganizar coletivamente para pelo menos evitar uma derrota menos traumática. O treinador, inclusive, pareceu paralisado. O segundo tempo do jogo melhorou levemente, mas os efeitos do blackout do primeiro tempo, quando o Brasil tomou cinco gols, persistiram. 



Crédito: Salvatore Vuono 

O que ocorreu? O futebol coletivo deixou de existir para se tornar um blackout coletivo. A coletividade entrou em colapso. Não foi por acaso. Não são razoáveis Felipão e Parreira quando afirmam que a causa da derrocada frente à Alemanha foi o blackout em si; ele foi o efeito, não a causa. A nosso ver, a lógica do coletivo foi afetada por fatores como a pressão intensa de disputar uma Copa no Brasil, a perda de Neymar e a desclassificação desenhada diante de uma Seleção com melhores jogadores e melhor preparada. 

Teria sido esse o primeiro grande blackout do nosso futebol diante das telas de TV? Faltou histórico? Pode até ser. Doravante, seria altamente recomendável estudar esses eventos em profundidade, bem como inclui-los em orientações para aprendizes do futebol. E prever, sim, sua possibilidade nos treinamentos de futebol. Apaguinhos são mais factíveis no dia-a-dia do futebol, mas apagões também podem ocorrer e é preciso preveni-los.

A consciência de coletividade, sobretudo quando se está perdendo, a nosso ver, constitui-se em um elemento a ser ensinado desde os primórdios do desenvolvimento de profissionais do futebol, seja nos pequenos clubes, seja nas categorias de base dos clubes mais estruturados, seja em academias independentes de futebol. Mais: ela parece estar profundamente associada às condições emocionais da equipe, conforme comentamos a seguir.

3 - Atitude

Os jogadores de futebol brasileiros conseguem, com frequência, manter uma atitude firme em um jogo difícil e sob forte pressão, em que se está perdendo? Conseguem controlar as emoções?

No Brasil e em outros países, quando times começam a perder, pode faltar sangue frio e a atitude, que precisa ser forte, pode se enfraquecer sobremaneira ao longo de um dado jogo. Isso é cultural, coisa de latinos, por exemplo? Pode até ser, mas acreditamos muito mais em falta de treinamento para lidar com a adversidade do que em excesso de latinidade

Recentemente, o jogador Dante, da Seleção Brasileira, afirmou que o fator psicológico foi determinante para a goleada da Alemanha sobre o Brasil. A Seleção não teria se preparado psicologicamente para a Copa, não tendo raciocinado, após tomar os três primeiros gols. Segundo Dante, o placar de 7 x 1 não reflete a diferença de qualidade entre as duas Seleções, mas a forma como, psicologicamente, os brasileiros se colocaram sob pressão e sem preparo para adversidades.

Mas não precisa ser assim. No ano passado e mais recentemente, na Copa do Brasil, contra o Corinthians e o Flamengo, o Atlético MG demonstrou que é possível mudar o jogo, mesmo quando se tem tudo contra. Demonstrou que com a atitude coletiva correta, o quase impossível pode acontecer. Ele venceu em Minas Gerais, em seu território? Sim, mas virou a mesa, com uma atitude de muita garra e perseverança.

Assim como a consciência de coletividade, atitude (e preparação para mantê-la) é outro elemento a ser ensinado na formação de profissionais do futebol. Tudo isso está interligado. 

4 - Respeito ao adversário

O futebol nacional costuma respeitar adversários?

Não podemos dizer que não respeitamos adversários em nosso futebol, esta seria uma afirmativa um tanto quanto forte e até injusta, mas talvez possamos nos perguntar se, no caso da Seleção Brasileira, não temos tido excesso de confiança em recursos que no passado podem ter ajudado, mas agora, não mais; ou pelo menos, não mais como era antes.

E quais seriam os recursos em questão? São vários: ter um nome de ouro e uma aura ao redor do mesmo (afinal, a Seleção Brasileira e a Seleção Brasileira, penta-campeã mundial), contar com jogadores conhecidos (a maioria joga no exterior e é conhecida, principalmente no continente europeu), que têm uma boa camaradagem entre si (alguns são até amigos pessoais) e com habilidades (vários são capazes de mudar jogos com jogadas magistrais), contar com um treinadores de peso (Felipão e Parreira, ambos campeões) e por aí vai. Com esses ingredientes, não teríamos como falhar, certo? Afinal, somos o Brasil, não é mesmo? Errado. 

Será que ao respeitarmos os nossos adversários, estamos fazendo isso de forma que tornemos o nosso futebol mais inteligente? Estamos aprendendo com os nossos adversários? Temos que reconhecer que o futebol evoluiu pelos quatro cantos do Planeta e continua evoluindo. Seleções que antes jogavam pesadamente aprenderam a contornar inabilidades diversas e a atuar de outras formas. E aprenderam que ordem, treinamento, aplicação tática e estratégias para lidar com situações adversas podem trazer resultados para quem não tem tanta habilidade com a bola. Em alguns casos, até essa habilidade foi conquistada por vários jogadores.


Crédito: Naypong

Os responsáveis pela condução da Seleção Brasileira precisam acompanhar, em bases permanentes, as melhores práticas das Seleções pelo mundo afora, identificando, friamente, em que pontos temos fragilidades e lacunas em relação a essas práticas. Fazer - isso mesmo! - benchmarking. E tomar providências para eliminar esses gaps, ou então para minimizar seus efeitos sobre resultados. Na Copa 2014, a Seleção da Alemanha era melhor, mais experiente e melhor preparada do que a nossa. Com mais observação e uma abordagem mais conservadora e dura em relação a essa concorrente, talvez não tivéssemos jogado tão abertos e fragilizados. Resultado: sete gols da Alemanha.

Em tempo, eis mais um elemento, o quarto deste post, a ser ensinado na formação de bons profissionais de futebol: o respeito ao adversário, com foco na busca de mais inteligência futebolística.

5 - Boa execução de esquemas táticos

O futebol nacional é bom em operacionalizar dinamicamente esquemas táticos?

No Brasil, técnicos enfrentam dificuldade em alterar esquemas táticos on line, ao longo de um dado jogo, o que os deixa sem flexibilidade operativa, criando uma percepção de rigidez que pode, no limite, até dificultar sua valorização no exterior. O Brasil tem expatriado constantemente jogadores, mas não percebemos, em anos mais recentes, esse movimento em relação aos técnicos.

Talvez a dificuldade dos técnicos esteja, em boa medida, relacionada às dificuldades dos próprios jogadores. Esses, frequentemente, jogam com técnica (alguns, próximos da excelência), mas sem alcançar maior versatilidade de papeis. Nos pequenos times distribuídos pelo Brasil, nas categorias de base dos times maiores e mais estruturados e nas escolas de futebol, eles não são, frequentemente, treinados para racionar com esse esporte de uma forma que procure visualizar as trilhas certas na direção do gol, em uma dada partida. Muitos acabam por aprender com a experiência e sob a orientação de bons profissionais, mas nem todos agregam versatilidade ao seu repertório.

Aos jogadores, além do estímulo ao gol, é recomendável ensinar, nos primórdios de sua formação, sobre como dentro dos variados esquemas táticos, trabalhar espaços, identificar forças e fraquezas dos adversários e neutralizar lances capitais dos mesmos. Alguns, intuitivamente compreendem como fazer isso, têm visão espacial ampliada e sabem, em boa medida, como achar caminhos para ajudar a equipe a chegar ao gol. Outros, com o apoio de bons técnicos e companheiros de time, aprendem e evoluem. Outros, permanecem restritos em suas funções, ajudando bem menos do que poderiam.

Esse quadro pode ser incrementado? Certamente. A formação de base dos jogadores e técnicos - e muitos jogadores se tornam técnicos com o passar do tempo - pode ser substancialmente melhorada. É uma questão que, a nosso ver, merece ser pensada em profundidade pelos gestores do futebol em nosso País. Em tempo, na Copa do Brasil, a Seleção Brasileira jogou no esquema 4-2-3-1; não funcionou, especialmente nos jogos contra a Alemanha e a Holanda, lembrando que perdemos a batalha do meio de campo.

Correndo o risco da repetitividade, não podemos deixar de dizer: a boa execução de esquemas táticos constitui outro elemento a ser ensinado na formação de bons profissionais do futebol.

6 - Talentos

O Brasil deixou de produzir talentos no futebol? Os pais e mães do País combinaram de deixar de produzir talentos potenciais para o futebol?

A resposta às perguntas acima é tão óbvia que nem vamos externá-la. A nosso ver, existem dois pontos principais a serem aprofundados, sem pretender esgotar a questão: a geração e o desenvolvimento de bons jogadores e o expatriamento desses profissionais.

Comecemos pela geração e desenvolvimento de jogadores: onde essas se dariam? Visualizamos duas fontes principais: os pequenos times – e existem centenas em nosso País -, bem como as categorias de base de times maiores ou melhor estruturados, as quais podem desenvolver talentos, quando operam com efetividade e realmente investem em formação. Existem também academias independentes, em menor medida.

No que tange aos pequenos times, cabe destacar que vários apenas jogam cerca de quatro meses por ano, o que debilita sua saúde financeira e dificulta bastante um trabalho mais aprofundado. Entretanto, as agremiações maiores, em seu conjunto (resguardadas eventuais exceções), não parecem ser exatamente primores de governança e gestão do futebol, a julgar pelas suas finanças frágeis, conforme estudo denominado “2013: Dinheiro na mão é vendaval”, elaborado pelo Itaú BBA, baseado em informações divulgadas pelos próprios clubes de futebol nacionais e o qual demonstra problemas preocupantes nas finanças dos clubes (veja mais aqui). Nesse contexto, as categorias de base podem se tornar um apêndice a receber bem menos atenção e investimentos.


Crédito: Hin 255 

Já sobre o expatriamento, ou seja, a remessa de jogadores ao exterior, alguns saem quando sequer aprenderam os fundamentos do futebol por aqui. Deixam o Brasil pelo sonho de jogar em um bom clube no exterior, de ganhar projeção e muito dinheiro. Sonho legítimo, diga-se de passagem e que, de fato, se materializa para vários profissionais. E a julgar pela escalação de Felipão, jogar no exterior pode, ainda, ajudar a ser convocado para a Seleção.

Entretanto, a expatriação tem um custo para o futebol nacional: muitos jogadores expatriados terminam por passar amplo tempo de suas vidas profissionais deixando de contribuir com o esporte praticado internamente. Em algum momento, eles retornam ao Brasil, mas não antes de dedicaram grandes energias ao futebol externo. Vários retornam para times locais, sendo exemplos Ronaldo Fenômeno, no Corinthians, Ronaldinho Gaúcho, no Atlético MG, Kaká, no São Paulo, Robinho, no Santos, Tardelli, no Atlético MG, Júlio Batista e Willian, no Cruzeiro. Há vários outros casos.

Acreditamos que o pano de fundo que permeia tanto as dificuldades de geração e desenvolvimento de talentos quanto sua retenção no Brasil seja o enfraquecimento administrativo e financeiro dos clubes, abrangendo tanto os pequenos quanto os grandes. Mude-se o sistema de maneira a reverter esse quadro, fortalecendo financeiramente os clubes pequenos, grandes e suas categorias de base, e os craques florescerão. Reforme-se a governança e a gestão das agremiações e o bom futebol aparecerá bem mais. Mais fácil de dizer do que de fazer? Mas esse é o caminho a seguir, cheio de duros espinhos, diga-se de passagem. 

7 - Entrosamento

A Seleção Brasileira tem evoluído de forma a permitir que os jogadores joguem cada vez mais entrosados?

Entrosamento tem absolutamente tudo a ver com time treinando e jogando junto. Após perder a Copa de 2010, a CBF dispensou Dunga e contratou Mano Menezes, o qual, por sua vez, foi mais adiante substituído por Felipão - e citemos também Parreira, ao lado de Felipão. Foram duas trocas de filosofia ao longo dos últimos quatro anos. De treinadores e jogadores, cabe ressaltar.

Após a derrocada frente à Alemanha e a Holanda, a CBF tem procurado jogos para a Seleção Brasileira treinar e vencer, de maneira que também se torne tênue, na lembrança de todos, as derrotas respectivas de 7 x 1 e 3 x 0 dos jogos contra essas Seleções. Dunga venceu todos os seis amistosos que disputou após assumir o cargo (a maioria deles com times que não são de ponta) e termina o ano de 2014 com aproveitamento de 100%. Mas e ele tiver mais dificuldades adiante? Teremos outro técnico? E depois mais outro?

Existindo uma percepção de que Dunga tem valor como técnico e de que o seu trabalho tem qualidade, mesmo que existam erros e derrotas aqui e ali, entendemos que se deva deixar o treinador trabalhar em paz, sem substituição. Em se tratando de Seleção Brasileira, o pensamento de longo prazo aparentemente não tem tido vez por aqui, mas deveria.

Finalizando

O sistema de futebol nacional deu, sim, sua contribuição para o fracasso do Brasil na Copa 2014, realizada dentro de seu território. O técnico Felipão não pode ser responsabilizado por tudo, embora seja responsável por escolhas que conduziram aos 7 x 1 contra a Alemanha e aos 3 x 0 contra a Holanda. O técnico Dunga, por sua vez, pode fazer o melhor que puder, mas não terá como mudar todo um sistema de futebol; assim, sejamos justos ao cobrar do mesmo apenas o que seja de sua esfera, dando a César o que é de César.

O futuro pode ser diferente, se houver ações para enfrentar os problemas passados e presentes? Sem dúvida e a nossa torcida é para que as instituições e pessoas capazes de mudar o sistema de futebol nacional caminhem nesse sentido e criem boas novidades para os brasileiros. Lembrando que milhões deles são técnicos, jogadores e fãs de futebol.


Crédito: Koratmember 

Bola Pensante 

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